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Cultura Policial: Experiências e Testemunhos

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    psychology4humans
  • 25 de out. de 2020
  • 8 min de leitura

Atualizado: 9 de nov. de 2020


Colaboradora da semana: Ana Moreno


Afinal, o que se passa com a polícia?

Recentemente, tem sido possível assistir a várias situações de confronto e uso excessivo da força por parte de agentes policiais e profissionais responsáveis pela segurança e aplicação da lei. Esta é uma situação que não se cinge aos dias de hoje, mas que se vem protelando e que atualmente tem merecido maior atenção por parte da sociedade e dos media, devido aos frequentes encontros violentos entre estes profissionais e a comunidade que por vezes acabam por ser fatais. Os motivos que ajudam a explicar o porquê destas situações e encontros menos felizes são vários, mas podemos destacar a falta de comunicação entre polícia e comunidade, a consequente falta de confiança mútua e o estigma. No que concerne aos agentes policiais, acresce ainda o sentimento de impunidade no decorrer da sua atuação devido a ser “o seu trabalho”, com autoridade para empregar a força necessária para desempenhar o seu trabalho, que é sustentado e legitimado pelo estado na sua atuação.



Exemplos de algumas situações atuais a nível global destes confrontos:

- Os protestos de Hong Kong: O governo autónomo de Hong Kong pretendeu legalizar o envio de civis para a China no caso de estas pessoas terem cometido crimes ou terem opiniões contrárias/desfavoráveis ao governo chinês. No entanto, o governo chinês tem apresentado alguma tendência à violação de direitos humanos, nomeadamente da liberdade de expressão e opinião, prendendo pessoas que se manifestem contra medidas/opiniões contrárias à sua. Acrescendo que esta medida “dava um passo atrás” na autonomia de Hong Kong que beneficiava de um regime especial de administração (previamente colónia britânica). Deste modo, a população civil de Hong Kong discordou da aplicação desta lei, o que levou a inúmeros protestos e manifestações. Estas manifestações e protestos, por sua vez, levaram a uma atuação violenta e frequentemente excessiva por parte da polícia para os dissipar.

- Black Lives Matter movement: Movimento ativista internacional, político e social, contra a violência direcionada à comunidade afro-americana, com início nos EUA em 2013. Este iniciou-se após a absolvição de George Zimmerman que matou a tiro um adolescente afro-americano. Este movimento tem crescido e ganho cada vez mais atenção com outras situações semelhantes, chegando ao âmbito internacional quando no decorrer deste ano, 2020, George Floyd foi sufocado até à morte por um agente policial, mesmo sem demonstração de agressividade por parte do detido. Esta situação veio deflagrar o abuso de autoridade por parte dos agentes policiais nos EUA em relação à comunidade afro-americana, mas também em relação a outras minorias étnicas e comunidades vulneráveis, tais como hispânicos, indígenas americanos, entre outros.


Tal como nos EUA, noutros países também se verificam situações de abuso de autoridade e uso excessivo de força, acompanhados do sentimento de impunidade associado a um “sistema político viciado” a favor dos mecanismos de controlo e proteção civil, principalmente em comunidades vulneráveis, minorias e “bairros pobres”.

Em PORTUGAL, dois exemplos de situações mais recentes que foram alvo de grande atenção nos media são a:

1) Atuação policial no bairro da Jamaica que originou processos disciplinares a dois agentes policiais por uso excessivo de força;

2) Morte a tiro fatal de rapariga de 23 anos que se encontrava a furtar carros com o namorado, sem que esta estivesse a colocar em risco eminente a vida do agente ou de terceiros (únicas situações que justificam esta atuação).


No decorrer deste ano e derivado de todas as situações flagrantes de abuso de autoridade, tem sido possível assistir a uma crescente desconfiança, medo e hostilidade em relação a estes profissionais, o que não favorece aquilo que é necessário: um processo mais positivo de comunicação, resolução de problemas e cooperação essencial entre a sociedade e aqueles que a protegem. Deste modo, o grande objetivo deve centrar-se em, por um lado, promover uma atuação mais eficaz e positiva da polícia junto da comunidade, e por outro restaurar a comunicação e confiança da comunidade naqueles que são por excelência os profissionais responsáveis por assegurar a sua segurança e proteção. E este objetivo pode começar por algo muito simples: desconstruir preconceitos e estigma.


Porquê que desconstruir o estigma é tão importante?

Conseguimos perceber através do que foi abordado até aqui que o preconceito e estigma social é muitas vezes o que está na base de encontros hostis, e o que promove uma escalada da agressividade entre civis e polícias. Este preconceito é o que no fim leva à falta de confiança, que bloqueia canais de comunicação importantes, e que conduzem à perceção de ameaça, que por sua vez produz a sensação de medo e o medo à agressividade.

E este preconceito existe tanto da parte dos polícias em relação a pessoas que não conhecem, que os leva a formarem estereótipos e a rotulá-las como perigosas, e consequentemente os leva a agirem logo à partida de modo defensivo e agressivo; como da nossa parte (civis) que devido aos polícias agirem tendencialmente desta forma, nos leva também a construir estereótipos e a rotular estes profissionais como inacessíveis, agressivos e até desumanos. Na verdade, os polícias são pessoas como nós, com famílias, amigos e com a vontade de fazer o

bem e proteger. Todavia, como frequentemente se vêm confrontados com situações perigosas e altamente

exigentes do ponto de vista emocional e psicológico, qualquer situação que seja potencialmente ameaçadora leva-os a agirem logo à partida de modo defensivo e consequentemente agressivo. Refletindo um pouco, como agem quando sentem que podem estar num local perigoso? Desconhecido? Com pessoas que não vos querem lá? É uma resposta humana e normal querermo-nos defender. A melhor forma de entender que não é perigoso nem uma ameaça é dar a conhecer, pois aquilo que conhecemos, leva-nos a saber como agir e lidar com o que por sua vez leva a interações mais positivas.



TESTEMUNHO: Um olhar sobre a Cultura Policial

Por Ana Moreno

Licenciada em Psicologia e mestrada em Psicologia Clínica e da Saúde (2016) pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa (FEP-UCP), Porto, Portugal. Ao longo do percurso académico participou em vários projetos desenvolvidos pela faculdade e pelo Human Neurobehavioral Laboratory (HNL), e teve a oportunidade de integrar a equipa de voluntariado da CASO, SER+. No seu estágio integrou a equipa de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar de S. João, e mais tarde o Departamento de Psiquiatria do Hospital de Mataró, Barcelona n âmbito do programa ERASMUS +. Por sua vez, na sua dissertação de mestrado começou a desenvolver o seu âmbito de pesquisa em questões relacionadas com a empatia e mecanismos de regulação emocional numa abordagem mais neuropsicológica.

Após ter terminado este ciclo, tem continuado a apostar na formação avançada, designadamente pós-graduação em neuropsicologia clínica e intervenção neuropsicológica, e desenvolvimento de programas de saúde mental. No que concerne à componente clínica, nos últimos anos teve a oportunidade de desenvolver experiência relevante através de consultas na Clínica Universitária de Psicologia (CUP), bem como na dinamização de sessões relacionadas com recursos de regulação emocional e de aprendizagem junto de crianças e adolescentes através de programas de colaboração com o município. Relativamente à investigação, continua inserida na equipa do HNL, no qual realizou o seu estágio profissional, aliando a componente clínica com o desenvolvimento de projetos de intervenção social (CAPSULE – impacto dos mass media na satisfação corporal e auto-imagem). Adicionalmente, a partir do HNL já participou em conferências de âmbito internacional e formação avançada em estatística e tratamento de dados psicofisiológicos, e apresentou resultados de pesquisa em conferências de âmbito internacional, no qual já ganhou um prémio de melhor apresentação. Resta acrescentar que tem sido convidada a dar aulas como professora assistente na componente prática de várias unidades curriculares da FEP-UCP, fazendo ponte com os recursos do HNL nas atividades desenvolvidas.

Atualmente, continua a fazer parte da equipa do HNL e a contribuir ativamente para os projetos desenvolvidos neste, e faz parte do programa internacional de doutoramento em “Applied Psychology: Adaptation and change in contemporary societies”, onde tem conseguido aliar a sua paixão por desenvolvimento de programas de promoção de saúde mental e intervenção na sociedade e neuropsicologia. O projeto submetido centra-se na intervenção com polícias, no sentido de promover a sua saúde mental e promover competências do foro psicoemocional para uma melhor intervenção junto da sociedade, e em especial junto de comunidades vulneráveis. 


Ao longo dos últimos meses temos assistido a um grande boom nas redes sociais e nos media em geral em relação a temáticas relacionadas com a polícia, e na maioria das vezes não pelos melhores motivos. A verdade é que estes profissionais têm recebido grande atenção devido a conflitos frequentes com civis, situações de protesto e de situações de detenção, no qual o agente recorre ao uso excessivo de força sem que este se justifique.

Considerando situações muito atuais, como o caso de George Floyd e Breonna Taylor, casos em que pessoas transeuntes ficaram gravemente feridas no decorrer da atuação da polícia, e situações de abuso de autoridade junto de comunidades mais vulneráveis, é fácil colocar estes profissionais numa luz pouco favorável e numa perspetiva de opressores ao invés de protetores da sociedade. No entanto, a verdade é que estes profissionais são expostos todos os dias a situações altamente exigentes, como homicídios, suicídios, violência, tráfico humano, entre outros, tendo formação ou apoio do ponto de vista psicológico ainda aquém do desejável para dar resposta a todas as necessidades destes profissionais. Acrescem ainda os desafios a nível pessoal e familiar como todos temos, e aos quais os polícias não são exceção. Todos estes fatores, fazem com que tenham muitas vezes uma abordagem mais defensiva a todas as situações que se apresentem como potencialmente ameaçadoras, o que inclui por exemplo comunidades com poucos recursos, onde é frequente existirem mercados paralelos (ex: tráfico de droga) e em relação aos quais existe frequentemente um sentimento de hostilidade e desconfiança mútua. Mesmo na sociedade em geral, por vezes contactar a polícia vem como último recurso devido à imagem criada se associar frequentemente a profissionais inacessíveis, frios e/ou agressivos.

A verdade é que, ao longo deste último ano, pude debruçar-me mais profundamente sobre este assunto e desenvolver um projeto de âmbito internacional dedicado à promoção de saúde mental nestes profissionais, e através deste consegui perceber que é essencial criar uma ponte entre a polícia e a comunidade, recomeçar esta relação de uma nova perspetiva e estar aberto a saber e conhecer mais para destruir reservas e estereótipos que formamos uns em relação aos outros. Portanto, o essencial neste momento centra-se em desconstruir preconceitos e estigma social, de ambas as partes – sociedade em geral e polícia em geral – para que seja possível contruir uma ponte de comunicação mais positiva, eficaz e de confiança. Dar respostas às necessidades psicológicas, emocionais e sociais de ambas as partes, dar formação a estes profissionais para que sejam mais eficazes e sensíveis do ponto de vista interpessoal e emocional, e permitir que existam as bases para uma relação como deveria existir desde o início: respeito, cooperação e transparência. Apenas deste modo, podemos permitir da nossa parte que aquilo que preconcebemos como opressores, possam ser o que desde sempre foram designados a ser: protetores.


Bibliografia Sugerida Pela Colaboradora:

Euwema, M. C., Kop, N., & Bakker, A. B. (2004). The behaviour of police officers in conflict situations: How burnout and reduced dominance contribute to better outcomes. Work and Stress, 18(1), 23–38. https://doi.org/10.1080/0267837042000209767


Hine, K. A., Porter, L. E., Westera, N. J., & Alpert, G. P. (2018). The understated ugly side of police–citizen encounters: situation, suspect, officer, decision-making, and force predictors of officer injuries. Policing and Society, 28(6), 665–683. https://doi.org/10.1080/10439463.2016.1251430


Purba, A., & Demou, E. (2019). The relationship between organisational stressors and mental wellbeing within police officers: A systematic review. BMC Public Health, 19(1), 1–21. https://doi.org/10.1186/s12889-019-7609-0


Singletary, G. (2019). Law enforcement education and training: A review of literature and critical analysis. Education in the Health Professions, 2(1), 10. https://doi.org/10.4103/ehp.ehp_10_19

Stern, A., & Petrosino, A. (2018). What do we know about the effects of school-based law enforcement on school safety?, (June), 1–4.


Todak, N., & James, L. (2018). A Systematic Social Observation Study of Police De-Escalation Tactics. Police Quarterly, 21(4), 509–543. https://doi.org/10.1177/1098611118784007


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